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As Fórmulas Freudianas

 

"In 1911 psychoanalyst Sigmund Freud based his hypothesis that Schreber's paranoid delusions were due to his defence against unavowed homosexual desires and fantasies towards Flechsig as a father substitute on this text." 

 A Short History of Psychiatry at Leipzig University 

 

 

"aus einer Abwehr uneingestandener homosexueller Wunschfantasien"   

 

Kurze Geschichte der Leipziger Universitätspsychiatrie

 

  Estivemos até aqui lidando com o complexo paterno, elemento dominante no caso de Schreber, e com a fantasia de desejos em torno da qual a doença se centralizou. Mas, em tudo isso, nada existe de característico da enfermidade conhecida como paranóia, nada que não possa ser encontrado (e que não tenha sido, em verdade, encontrado) em outros tipos de neuroses. O caráter distintivo da paranóia (ou da dementia paranoides) deve ser procurar alhures, a saber, na forma específica assumida pelos sintomas; e esperamos descobrir que esta é determinada, não pela natureza dos próprios complexos, mas pelo mecanismo mediante o qual os sintomas são formados ou a repressão é ocasionada.          

 

 Tenderíamos a dizer que caracteristicamente paranóico na doença foi o fato de o paciente, para repelir uma fantasia de desejo homossexual, ter reagido precisamente com delírios de perseguição desta espécie.

  Estas considerações emprestam, portanto, peso adicional à circunstância de que somos, na realidade, levados pela experiência a atribuir às fantasias de desejo homossexuais uma relação íntima (talvez invariável) com essa forma específica de enfermidade. Duvidando de minha própria experiência no assunto, durante os últimos anos reuni-me a meus amigos C.G. Jung, de Zurique, e Sándor Ferenczi, de Budapest, para pesquisar, sob esta única característica, certo número de casos de distúrbio paranóide que tinham estado sob observação.

 Os pacientes cujas histórias forneceram o material para esta pesquisa incluíam tanto homens quanto mulheres e variavam quanto à raça, ocupação e posição social.

 Ainda assim, ficamos estupefatos ao descobrir que, em todos esses casos, uma defesa contra o desejo homossexual era claramente identificável no próprio centro do conflito subjacente à moléstia, e que fora numa tentativa de dominar uma corrente inconscientemente reforçada de homossexualismo que todos eles haviam fracassado.

 Isso certamente não era o que havíamos esperado. A paranóia constitui exatamente um distúrbio no qual a etiologia sexual de maneira alguma é óbvia; longe disso, as características notavelmente relevantes na origem da paranóia, particularmente entre indivíduos do sexo masculino, são as humilhações e desconsiderações sociais.

  Mas, se nos aprofundarmos apenas um pouco mais no assunto, poderemos perceber que o fator realmente eficaz nessas afrontas sociais reside na parte que nelas desempenham os componentes homossexuais da vida emocional. 

 

  Enquanto o indivíduo age normalmente e é, por conseguinte, impossível perscrutar as profundezas de sua vida psíquica, podemos duvidar que suas relações emocionais com o próximo na sociedade tenham algo a ver com a sexualidade, concretamente ou em sua gênese. Mas os delírios nunca deixam de revelar estas relações e de remontar os sentimentos sociais às suas raízes num desejo erótico positivamente sensual.

 

 Enquanto foi sadio, também o Dr. Schreber, cujos delírios culminaram por uma fantasia de desejo de natureza inequivocamente homossexuais, não havia, segundo afirmam todos, demonstrado quaisquer sinais de homossexualismo no sentido comum da palavra.

  Esforçar-me-ei agora (e penso que a tentativa não é desnecessária nem injustificável) por demonstrar que o conhecimento dos processos psicológicos, que graças à psicanálise hoje possuímos, já nos permite compreender o papel desempenhado por um desejo homossexual no desenvolvimento da paranóia.  

 

 Pesquisas recentes dirigiram nossa atenção para um estádio do desenvolvimento da libido, entre o auto-erotismo e o amor objetal.

 

Este estádio recebeu o nome de narcisismo. 

 O que acontece é o seguinte: chega uma ocasião, no desenvolvimento do indivíduo, em que ele reúne seus instintos sexuais (que até aqui haviam estado empenhados em atividades auto-eróticas), a fim de conseguir um objeto amoroso; e começa por tomar a si próprio, seu próprio corpo, como objeto amoroso, sendo apenas subseqüentemente que passa daí para a escolha de alguma outra pessoa que não ele mesmo, como objeto.

 

 Essa fase eqüidistante entre o auto-erotismo e o amor objetal pode, talvez, ser indispensável normalmente; mas parece que muitas pessoas se demoram por tempo inusitadamente longo nesse estado e que muitas de suas características são por elas transportadas para os estádios posteriores de seu desenvolvimento. 

 

  De importância principal no eu (self) do sujeito assim escolhido como objeto amoroso já podem ser os órgãos genitais. A linha de desenvolvimento, então, conduz à escolha de um objeto externo com órgãos genitais semelhantes isto é, a uma escolha objetal homossexual e daí ao heterossexualismo. As pessoas que se tornam homossexuais manifestas mais tarde, nunca se emanciparam, pode-se presumir, da condição obrigatória de que o objeto de sua escolha deve possuir órgãos genitais como os seus; e, com relação a isto, as teorias sexuais infantis que atribuem o mesmo tipo de órgãos genitais a ambos os sexos exercem muita influência. [Cf. Freud, 1908c.]

 

  Após o estádio de escolha objetal heterossexual ter sido atingido, as tendências homossexuais não são, como se poderia supor, postas de lado ou interrompidas; são simplesmente desviadas de seu objetivo sexual e aplicadas a novas utilizações.

 

 Combinam-se agora com partes dos instintos do ego e, como componentes ligados, ajudam a constituir os instintos sociais, contribuindo assim como um fator erótico para a amizade e a camaradagem, para o esprit de corps e o amor à humanidade em geral. Quão grande é a contribuição realmente derivada de fontes eróticas (com o objetivo sexual inibido) dificilmente poder-se-ia adivinhar pelas relações sociais normais da humanidade. Mas não é irrelevante observar que são precisamente os homossexuais manifestos, e entre eles exatamente aqueles que se colocam contra a tolerância quanto a atos sensuais, que se distinguem por participação particularmente ativa nos interesses gerais da humanidade interesses que por si mesmo se originaram de uma sublimação de instintos eróticos.

  Em meus Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade [Ver em [1], 1972], expressei a opinião de que cada estádio no desenvolvimento da psicossexualidade fornece uma possibilidade de fixação, e, assim, de um ponto disposicional.

 

 As pessoas que não se libertaram completamente do estádio de narcisismo que, equivale a dizer, têm nesse ponto uma fixação que pode operar como disposição para uma enfermidade posterior acham-se expostas ao perigo de que alguma vaga de libido excepcionalmente intensa, não encontrando outro escoadouro, possa conduzir a uma sexualização de seus instintos sociais e desfazer assim as sublimações que haviam alcançado no curso de seu desenvolvimento. Este resultado pode ser produzido por qualquer coisa que faça a libido fluir regressivamente (isto é, que causa uma regressão): quer, por um lado, a libido se torne colateralmente reforçada, devido a algum desapontamento com uma mulher, ou seja diretamente represada devido a um infortúnio nas relações sociais com outros homens, ambos os casos sendo exemplos de frustração; quer, por outro lado, haja uma intensificação geral da libido, de maneira que ela se torne poderosa demais para encontrar um escoadouro ao longo dos canais que já lhe estão abertos, e, conseqüentemente, irrompa por suas margens no ponto mais fraco.

 

  Visto nossas análises demonstrarem que os paranóicos se esforçam por proteger-se contra esse tipo de sexualização de suas catexias sociais instintuais, somos levados a supor que o ponto fraco em seu desenvolvimento deve ser procurado em algum lugar entre os estádios de auto-erotismo, narcisismo e homossexualismo, e que sua disposição à enfermidade (que talvez seja suscetível de definição mais precisa) deve estar localizada nessa região.

 

  Uma disposição semelhante teria de ser atribuída aos pacientes que sofrem da demência precoce de Kraepelin ou de (como Bleuler a denominou) esquizofrenia; e esperamos, posteriormente, encontrar pistas que nos permitam remontar às diferenças entre os dois distúrbios (com referência tanto à forma que assumem quanto ao curso que seguem) a diferenças correspondentes nas fixações disposicionais dos pacientes. 

 

            Regiões de fronteiras:

        o dentro e o fora   (interno_externo)

 

  Assumindo então o ponto de vista de que o que jaz no cerne do conflito, nos casos de paranóia entre indivíduos do sexo masculino, é uma fantasia de desejo homossexual de amar um homem, certamente não esqueceremos que a confirmação de hipótese tão importante só pode decorrer da investigação de um grande número de exemplos de toda espécie de distúrbio paranóide. Temos, portanto, de estar preparados, se preciso for, para limitar nossa assertiva a um único tipo de paranóia. Não obstante, constitui fato notável que as principais formas de paranóia conhecidas podem ser todas representadas como contradições da proposição única eu (um homem) o amo (um homem), e que, na verdade, exaurem todas as maneiras possíveis em que tais contradições poderiam ser formuladas.

A proposição eu (um homem) o amo é contraditada por:

 

 (a) Delírios de perseguição, pois eles ruidosamente asseveram:

 Eu não o amo Eu o odeio.

 

  Esta contradição, que deve ter sido enunciada assim no inconsciente, não pode, contudo, tornar-se consciente para um paranóico sob essa forma. O mecanismo de formação de sintomas na paranóia exige que as percepções internas sentimentos sejam substituídas por percepções externas.

 

  Conseqüentemente, a proposição eu o odeio transforma-se, por projeção, em outra: Ele me odeia (persegue), o que me desculpará por odiá-lo. E, assim, o sentimento inconsciente compulsivo surge como se fosse a conseqüência de uma percepção externa:

 

Eu não o amo eu o odeio, porque ELE ME PERSEGUE.

 

A observação não deixa lugar para dúvidas de que o perseguidor é alguém que foi outrora amado.

(b) Outro elemento é escolhido para a contradição na erotomania, que permanece totalmente ininteligível sob qualquer outro ponto de vista:

 

Eu não o amo eu a amo.

 

E, em obediência à mesma necessidade de projeção, a proposição é transformada em: Eu noto que ela me ama.

 

Eu não o amo eu a amo, porque ELA ME AMA.

 

É possível a muitos casos de erotomania dar a impressão de que poderiam ser satisfatoriamente explicados como fixações heterossexuais exageradas ou deformadas, se nossa atenção não fosse atraída pela circunstância de que essas afeições começam invariavelmente não por qualquer percepção interna de amar, mas por uma percepção externa de ser amado.

 

  Nessa forma de paranóia, porém, a proposição intermediária eu a amo também se pode tornar consciente, porque a contradição entre ela e a proposição original não é diametral nem tão irreconciliável como a existente entre amor e ódio; afinal de contas, é possível amar tanto ela quanto ele. Assim, pode acontecer que a proposição que foi substituída por projeção (ela me ama) abra caminho novamente para a proposição da língua básica eu a amo.

 

(c) A terceira modalidade pela qual a proposição original pode ser contraditada seria por delírios de ciúme, que podemos estudar nas formas características sob que aparecem em cada sexo.

 

(a) Delírios alcoólicos de ciúme. O papel desempenhado pelo álcool nesse distúrbio é, sob todos os aspectos, inteligível. Sabemos que aquela fonte de prazer afasta inibições e desfaz sublimações. Não é raro que o desapontamento com uma mulher leve um homem a beber mas isso significa, geralmente, que ele recorre ao bar e à companhia de homens, que lhe proporcionam a satisfação emocional que deixou de conseguir de sua mulher em casa. Se então esses homens se tornarem os objetos de uma forte catexia libidinal em seu inconsciente, ele a repelirá com o terceiro tipo de contradição:

Não sou eu quem ama o homem ela o ama, e suspeita da mulher em relação a todos os homens a quem ele próprio é incitado a amar.

A deformação por meio da projeção acha-se necessariamente ausente nesse caso, visto que, com a mudança do sujeito que ama, todo o processo é, de qualquer modo, lançado para fora do ego. O fato de a mulher amar os homens constitui matéria de percepção externa para ele, ao passo que os fatos de que ele próprio não ama, mas odeia, ou de que ele mesmo ama, não esta, mas aquela pessoa, são assuntos de percepção interna.

 

(b) Os delírios de ciúme nas mulheres são exatamente análogos.

Não sou eu quem ama as mulheres ele as ama.

  A mulher ciumenta suspeita do marido em relação a todas as mulheres por quem ela própria é atraída, devido ao seu homossexualismo e ao efeito disposicional de seu narcisismo excessivo. A influência da época da vida em que sua fixação ocorreu é claramente demonstrada pela seleção dos objetos amorosos que imputa ao marido; são amiúde velhas e inteiramente inapropriadas para uma relação amorosa real revivescência das babás, criadas e meninas que foram suas amigas na infância, ou das irmãs, que foram suas rivais verdadeiras.

 

  Ora, poder-se-ia supor que uma proposição composta de três termos, tal como eu o amo, só pudesse ser contestada por três maneiras diferentes. Os delírios de ciúme contradizem o sujeito, os delírios de perseguição contradizem o predicado, e a erotomania contradiz o objeto. Na realidade, porém, é possível um quarto tipo de contradição a saber, aquele que rejeita a proposição como um todo:

Não amo de modo algum não amo ninguém.

 

  E visto que, afinal de contas, a libido tem de ir para algum lugar, essa proposição parece ser o equivalente psicológico da proposição: Eu só amo a mim mesmo. Desta maneira, esse tipo de contradição dar-nos-ia a megalomania, que podemos encarar como uma supervalorização sexual do ego e ser assim colocada ao lado da supervalorização do objeto amoroso, com a qual já nos achamos familiarizados.

 

  É de alguma importância, com relação a outras partes da teoria da paranóia, observar que podemos detectar um elemento de megalomania na maioria das outras formas de distúrbio paranóide. É justo presumir que a megalomania é essencialmente de natureza infantil e que, à medida que o desenvolvimento progride, ela é sacrificada às considerações sociais. Do mesmo modo, a megalomania de um indivíduo nunca é tão veementemente abafada como quando ele se acha em poder de um amor irresistível:

Denn wo die Lieb erwachet, stirbt

das Ich, der finstere Despot.

  Após este exame do papel inesperadamente importante desempenhado pelas fantasias de desejo homossexuais na paranóia, retornemos aos dois fatores em que esperávamos, desde o princípio, encontrar os sinais característicos da paranóia, a saber, o mecanismo pelo qual os sintomas são formados e o mecanismo pelo qual a repressão é ocasionada [ver em [1]].

 

  Certamente não temos direito de começar por presumir que estes dois mecanismos são idênticos e que a formação de sintomas segue o mesmo caminho que a repressão, cada qual avançando ao longo dele, talvez, em direção oposta. Tampouco parece haver qualquer grande possibilidade de que tal identidade exista. Não obstante, abster-nos-emos de expressar qualquer opinião sobre o assunto até termos completado nossa pesquisa.

 

  A característica mais notável da formação de sintomas na paranóia é o processo que merece o nome de projeção. Uma percepção interna é suprimida e, ao invés, seu conteúdo, após sofrer certo tipo de deformação, ingressa na consciência sob a forma de percepção externa. Nos delírios de perseguição, a deformação consiste numa transformação do afeto; o que deveria ter sido sentido internamente como amor é percebido externamente como ódio. Deveríamos sentir-nos tentados a encarar esse processo notável como o elemento mais importante na paranóia e dela absolutamente patognomônico, se oportunamente não nos lembrássemos de duas coisas.

 

  Em primeiro lugar, a projeção não desempenha o mesmo papel em todas as formas de paranóia; e, em segundo, ela faz seu aparecimento não apenas na paranóia mas também sob outras condições psicológicas, e de fato é-lhe concedida participação regular em nossa atitude para com o mundo externo. Pois, quando atribuímos as causas de certas sensações ao mundo externo, ao invés de procurá-las (como fazemos no caso dos outros) dentro de nós mesmos, esse procedimento normal também merece ser chamado de projeção. Cientes de que problemas psicológicos mais gerais acham-se envolvidos na questão da natureza da projeção, decidamos adiar sua investigação (e, com ela, a do mecanismo da formação paranóide de sintomas em geral) para outra ocasião, e passemos agora a considerar que idéias podemos reunir sobre o tema do mecanismo da repressão na paranóia. Gostaria de dizer ao mesmo tempo, para justificar esta renúncia temporária, que descobriremos que a maneira pela qual o processo de repressão ocorre acha-se muito mais intimamente vinculada à história do desenvolvimento da libido e à disposição a que ele dá origem, do que a maneira pela qual os sintomas se formam.

  Na psicanálise, acostumamo-nos a encarar os fenômenos patológicos como derivados, de maneira geral, da repressão. Se examinarmos mais de perto o que é chamado de repressão, encontraremos razões para dividir o processo em três fases que são facilmente distinguíveis uma da outra, conceptualmente.

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